Encarando abismos
Com tanto de anúncio certeiro a respeito do que eu "gosto" e de "quem eu sou" aparecendo pra mim, comecei a me perguntar: existe alguém realmente genuíno? [1]
Meio que todo mundo já sabe que a Amazon tem um algoritmo do mal capaz não só de rastrear o que você já comprou como também de prever o que você pode-querer-quem-sabe-aqui-umas-sugestões comprar. A obstinação do Jeff Bezos me atrai assim como olhar pra baixo de certa altura me atrai: uma curiosidade misturada com medo. Curiosidade por ainda não entender como dá certo esse modelo que injeta dinheiro em empresas que não dão lucro real e medo porque elas ficam tão anabolizadas que sufocam quem não tem o mesmo poder de fogo. A Amazon é isso. Investe em ecommerce, em tevê, em anúncios, em software, em hardware e vai engolindo todo mundo que ela considera concorrência. E depois de ajudar a fechar várias livrarias e mercados locais, ainda quer que, num futuro próximo, você berre sua lista de compras para a Alexa enquanto sente gratidão pela graça alcançada. [2]
Meio que todo mundo já sabe também que a internet se sustenta com propaganda. Um banner tosco aqui, um aumente seu pênis acolá e pronto, todo mundo se divertindo e ganhando dinheiro. Por experiência, sei também que trabalhar com propaganda é um ciclo esquisito começa na galera da agência batendo palmas pra anúncio que é folheado em 0.5s numa página de revista e termina nas 240h de trabalho semanais recompensadas por um troféu em forma de galo num dos maiores jerk circles na história do trabalho.
Ataques gratuitos à parte, o que separei aqui se relaciona mais com o trabalho das agências na compra e venda de espaços para divulgação de seus clientes. O trecho a seguir vem de uma entrevista com o Gabriel Leydon, CEO de uma empresa que, entre outras coisas, desenvolve jogos mobile. Durante um evento com anunciantes, jornalistas, agências e um entrevistador que faz umas perguntas meio bobas, meio relações-públicas, Leydon encontra uma brecha e dá uma aula a respeito desse cenário:
There's a fundamental misunderstanding of what the internet means for media companies. It means that we're very quickly getting to a point where we can value your eyeballs. We're not gonna just talk about how many [eyeballs] you have anymore. That's gone. Forget it. No one is gonna give you money because you have eyeballs. We wanna know if they're real. Because we know there are fake eyeballs. There's a lot of fraud. We wanna know if it performs when we buy it. We wanna know what the effects are. We wanna know if we can buy more (...) That's because the market itself is perverse. The media publishers can't get an engineer work for them. They can't do it. No engineer wants to work at a media publishing company. (...) They want to build shut-- they want to go work for Elon Musk and go live on Mars. (...) The publishers are kind of dipping their toe in the water in digital and they're getting really scared by it. They're like "I don't know what's happening, I'm not making the kind of money I should. I make more money on TV so let's just go back to TV, let's just pretend that TV is gonna be the future." (...) Engineers don't wanna work for agencies either. (...) There's no engineering work at these places, so salespeople want to take the most money away from you as possible, 'cause they're getting 20%. So they're saying: "How do I get the buyer to spend more? Who cares whether it actually works for them." (...) You can't go to them 'cause they're not incentivized to do the right thing. They're incentivized to spend the most money possible. (...) The buyers are universally unhappy. Every buyer is unhappy with the market because there's a push to avoid quantifying their media. They want to actively avoid pricing their media. They want to set prices out of thin air and say "I have eyeballs". And digital break that all down because it's all trackable. (...) What drives me crazy about this particularly is that the media companies typically don't have what I would call a real business. The users that use their media don't wanna pay them anything. (...) So the media publisher depends on someone else who has a real business, who actually makes money, to give them money. (...) I think what we're seeing, why media is kind of consolidating, or maybe collapsing in on itself, is that there's a denial on what their business really is and what the true value of what their business is. And they're doing everything possible to avoid real value measurement of what they do. They don't want it. (...) There's a final piece: the publishers don't want anybody to quantify anything; the agencies just want the most money possible (...) and there's nobody building software for the buyers. So if you say "I want to go out and do a sophisticated large-scale marketing campaign" there's no help for you. The ad technology that helps buyers is really poor (...) What's going to happen in this scenario is: buyers are going to become more sophisticated whether everybody likes it or not. It's inevitable. [3]
A sinceridade nesse desabafo é do tipo que só a combinação de irritação e cansaço conseguem produzir.
- Notas
- [1] Pra perder o sono, saiba que existe uma teoria de que você não existe. O que existe é a interseção entre "como os outros te veem" e "como você se vê".
- [2] Vi esse futuro esquisito/atraente nessa palestra aqui.
- [3] O trecho começa aqui. Enquanto transcrevia, pensei que meu deus, pra quê esse trabalhão se existe em vídeo?
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E você, com quantos não-assuntos teve que lidar no elevador essa semana? Pensou em perguntar pra onde vai essa percepção de mundo depois que a gente cresce? Ou por que demoraram tanto pra falar mal da buzzword de 2016? E por que essa pesquisa não é obrigatória? É tanta coisa que gente tem em comum.