André Matiazzo

O dedo do meio do Galileu

A culpa inevitável depois das recaídas é o que me faz um participante fiel do movimento Eu Me Importo Sim Mas Que Preguiça Que Dá Tomar Grandes Passos Pra Fazer O Mundo Melhor. Recaídas que justifico na base do "é só mais uma carninha na semana" ou "é só mais uma embalagenzinha plástica" pra depois ter que lidar com a lembrança de litros e litros de água sendo gastos para produzir 1kg de carne e a eterna imagem de tartarugas e outros bichos do mar morrendo enroscados em plástico. Os hábitos conscientes de alimentação e de consumo/descarte de materiais sempre me pareceram os mais difíceis de manter, já que exigem esforço diário e podem interferir até nas relações com outras pessoas (principalmente com as que insistem que esse tipo de preocupação é frescura). Mas depois de descobrir a Ética, etiqueta etc, newsletter da Gabriela Romero, me dei conta de que acabo fazendo mais vista grossa para o que escolho vestir do que para outras áreas da vida, mesmo depois de ver prédio desabando em cima de mil pessoas e de rir junto com os que pensam que a galera do ocidente deve pagar muito caro pela água que usa para lavar as próprias roupas – já que só isso justifica a quantidade de lixo têxtil que produzimos. Vale ler todas as edições da newsletter, que é bem recente. Mas, pra começar de leve, vamos de "Cinco perguntas sobre moda ética". / Ética, etiqueta etc →

A ideia de começar pela moda responde a características específicas da indústria, que fazem esse princípio ser mais fácil e mais urgente. Primeiro, é bem possível que você já tenha no armário roupas suficientes para os próximos 10 ou 20 anos. Tirando casos extremos de ganho ou perda de peso, tendo roupas com tecidos de qualidade, é possível viver com as mesmas peças por décadas. Logo, nosso consumo de moda é muito mais voltado para a satisfação de desejos do que para o atendimento de necessidades.

Não sei como você vê o mundo, mas se tá lendo isso aqui, chuto que seu termômetro social caia mais para o lado da turminha de #humanas. Por conta disso, também é provável que você atribua ao pessoal do lado de lá (se é que você ainda acredita em lados) as atitudes absurdas que dão início às discussões nas caixas de comentários desse mundão de meu deus. Mas Jesse Singal está aqui para tirar nossa paz de espírito e apontar, numa coluna-meio-resenha do livro Galileo's Middle Finger, dois momentos em que os ditos liberais inventaram umas histórias bem das absurdas para continuarem como donos da razão. Um dos casos é o de um antropologista que, entre outras coisas, foi acusado de pagar índios ianomâmis para matarem uns aos outros durante sua pesquisa.

Dreger suggests that Chagnon’s reputation as a careful, dedicated scholar didn’t matter to his critics — what mattered was that his version of the Yanomamö was “Not your standard liberal image of the unjustly oppressed, naturally peaceful, environmentally gentle rain-forest Indian family.”

O outro relata o estudo de um psicólogo que, depois de entrevistar pessoas transgênero, chegou à teoria de que o contexto em que elas vivem influencia a escolha pela transição. Ou seja, ao contrário da conclusão de outras pessoas a respeito do tema, a decisão envolve mais variáveis do que o sentimento de ter nascido no corpo errado.

However, he didn’t see sexual orientation as the only thing a male factors in when deciding whether to transition. He recognized that in one environment — say, an urban gay neighborhood like Chicago’s Boystown — an ultrafemme gay man might find reasonable physical safety, employment, and sexual satisfaction simply by living as an ultrafemme gay man. But in a very different environment — say, a homophobic ethnic enclave in Chicago — he might find life survivable only via complete transition to womanhood. Whether a transkid grows up to become a gay man or a transgender woman would depend on the individual’s interaction with the surrounding cultural environment. Similarly, an autogynephilic man might not elect transition if his cultural milieu would make his post-transition life much harder.

(...)

It also brings sexuality back into a conversation that some trans activists have been trying to make solely about gender identity — roughly parallel to the way some gay-rights activists sweep conversations about actual gay sexuality under the rug, preferring to focus on idealized, unthreatening-to-heterosexuals portrayals of committed gay relationships between clean-cut, taxpaying adults.

Foi como mexer num vespeiro. Ativistas dos direitos trans (sim) acusaram o autor de manter relações sexuais com entrevistados e de expô-los sem autorização. Ao mesmo tempo, publicaram fotos da filha dele com legendas do tipo "exibicionista faminta por pinto". Tudo bem progressista. / Science of Us →

p.s.: Procurando mais sobre o título do livro, descobri que o dedo-do-meio do Galileu existe e está exposto num museu de Florença.

Pintura clássica de Galileu mostrando o dedo do meio, olhando no olho do espectador.

Se é pra te acharem mais interessante, que tal mostrar um sorriso perfeitamente parisiense e sem alma, surpreender a todos com seus conhecimentos sobre os campeonatos de empilhamento de copos e falar que sim, jé é possível fazer duetos musicais usando inteligência artificial?

Escrevo sobre tecnologia, sociedade e qualquer interesse que eu tenha no momento. Também mando uns links interessantes para você nunca mais ficar sem assunto na fila do banco.