Viver macumbeiramente
Ainda tento não virar o olho quando vejo designer reclamando de como o design é visto por aí. Sei que é difícil explicar o tanto de peças que se encaixam pra compor uma ideia; que a vida de designer não é feita de "banhos de loja" e nem de aparições de musas inspiradoras. Sei também que, por conta dessa dificuldade em falar de nós mesmos, outras pessoas acabam preenchendo esse espaço e nos colocando à uma distância confortável de "deixa eles brincarem que uma hora fica bonito". Mas tem designer que gosta dessa posição – ou parece gostar. Designer que, assim que vê a oportunidade de se mostrar pro mundo, dá continuidade à ideia de criatividade como algo místico, idolatra indivíduos e repete que design is how it works, dobra sua gola rolê e sai andando.
Reclamar que ninguém entende seu design [1] é uma postura confortável e ainda te garante uns tapinhas nas costas. Se você gosta, boa sorte. Mas se não quer ficar de cabeça baixa, arrastando seu Raider com Meia™ por aí, faz bem procurar pela turminha lado b [2]. Olhar pra quem não é popstar e nem trabalha numa das gigantonas do Vale. Olhar pra pessoas como a Andréa Mallard, que já mostra que é diferente por trabalhar numa empresa cujo objetivo não é destruir todos os seus concorrentes. Uma mulher que é formada em jornalismo e atua como designer no tão temido m a r k e t i n g. E alguém que – isso eu não acreditava ser possível – sabe falar em storytelling sem soar como bøishit.
// High Resolution (YouTube) →
Qualquer pessoa que tenha assistido Into The Wild ou escutado um cd do Bon Iver deve ter sentido a atração falsamente nostálgica por mato, cabanas isoladas e por uma vontade de fugir da cidade. Quem sentiu isso também deve ter esquecido que no mato tem mosquito e formiga picando o pé, que em cabana isolada tem barata e cheiro de mofo e que deve ser difícil segurar a ansiedade pra mostrar a #solitude com fotinha no insta. Por outro lado, a gente também não percebe como é bonito ver a galera curtindo um pagode na casa da frente ou como o tempo sem fazer nada dentro de um ônibus pode ser bem gostosinho pra quem costuma dirigir o tempo todo pela cidade.
Comecei a reparar melhor nesses contrastes depois de ler os textos do Victor Heringer e de ver o jeito que ele olha pra vida [3]. O que me deu a ideia de escrever esse parágrafo aí de cima foi o diário de uma viagem que ele fez pra Índia, em que mostra que as coisas são assim mesmo: uma hora vai ter mosca pousando na sua comida e na outra, transcendência.
Se você fica tempo o suficiente num templo vazio, com os pés descalços no frio chão de pedra… Se você se concentrar por alguns segundos dentro do templo vazio, com os pés descalços no frio chão de pedra, você sente. Você não sabe o que é, mas já sentiu isso antes. A tontura transcendental. As pernas bambeiam um pouco.
Antes eu também achava quase impossível ser um viajante ocasional e me livrar da afobação que é querer visitar o máximo de lugares no menor tempo possível. Não sei se dá pra chegar fácil na proposta dele, mas que ela é interessante, isso é.
// SP Review →
A minha ideia é viajar macumbeiramente. Tentar ao máximo não ser turista. O turista é aquele que não incorpora o outro. É o antimacumbeiro por excelência. O turista é um trabalhador: vim, vi, fotografei. O turista sempre mantém o outro a uma distância que assegure o exotismo. Sem o exótico, não precisa do desconforto que é viajar. O viajante macumbeiro, por outro lado, quer o transe, quer que todas as distâncias se anulem, ao menos por alguns instantes. Ele vibra quando os exotismos se desfazem, para se refazerem em diferença. Há um abismo fundo entre o exótico e o diferente.
- Notas
- [1] Não dá pra colocar nesse mesmo barco, claro, situações em que "ser designer" não é o que te desfavorece num ambiente (como ser mulher no meio de um bando de machista).
- [2] Frank Chimero, Mills Baker e Nicole Fenton são os que eu indico de cara, sempre. Tenho queda por designers que escrevem, o que talvez te dê preguiça. Nesse caso é só esperar. Ainda falarei dessas gracinhas por aqui.
- [3] Sempre que vejo alguém viajando bastante e por muito tempo, desconfio de patrocínio externo (e do mesmo privilégio daqueles que pensam que jogar tudo pro ar e "correr atrás dos seus sonhos" é uma opção pra todos nós). Mas acho também que preciso ter um pouco mais de fé nesse mundão.
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Ainda dá tempo das fofocas? Porque descobriram um tanto de planetas pra gente morar quando tudo for pro saco e também que tem muita coisa pra resolver antes de a gente se mudar. Tá todo mundo atacando de DJ e já dá pra imaginar porque a franjinha do Hitler se mexia de forma tão frenética.